O caso da IA no STF: limites éticos e jurídicos da tecnologia no Judiciário

Em tempos de máquinas pensantes e promessas de celeridade, o Supremo Tribunal Federal apresentou ao país a MARIA – um engenho dotado de inteligência artificial, com a missão de auxiliar na redação de relatórios, resumos e outros documentos judiciais. Tal ferramenta, de feição moderna e propósito nobre, pretende desafogar o trabalho de nossos ministros e servidores, que, atulhados por quase noventa milhões de processos, veem-se às voltas com o peso da lentidão e a cobrança por respostas imediatas. Não obstante os benefícios prometidos pela referida inteligência artificial, é imperioso que paremos a refletir, com espírito sereno e olhar atento, sobre os riscos que tal inovação nos impõe.

Com o advento das inteligências artificiais, muito se ganha em velocidade, em organização, em economia de recursos humanos e materiais. As engrenagens burocráticas, tão costumeiramente emperradas, passam a girar com ligeireza. Há, nesse avanço, inegável valor. Contudo, se é verdade que tais instrumentos podem auxiliar na tramitação dos feitos, também o é que não detêm – nem poderiam deter – a centelha da sensibilidade humana, tão indispensável à arte de julgar. A justiça, como bem sabemos, não é feita apenas de números, leis e precedentes, mas de contexto, de história, de angústias e esperanças. A frieza do cálculo, por mais perfeita que seja, não substitui o tato, a empatia, o discernimento moral que distingue o julgador justo do mero executor de normas.

O uso de inteligência artificial no seio do Judiciário traz consigo, ainda, um paradoxo digno de consideração: pretende-se, com ela, assegurar a impessoalidade dos julgamentos – o que, em tese, garantiria decisões uniformes para casos semelhantes. No entanto, na prática, seguimos a presenciar sentenças díspares para situações idênticas, mesmo sob os auspícios de tecnologias avançadas. O que seria, pois, da justiça se a impessoalidade se transformasse em indiferença? Se casos humanos, complexos e carregados de dor, fossem julgados por padrões rígidos e inflexíveis, não estaríamos abrindo mão do próprio coração da justiça, que é a equidade?

Convém recordar que o princípio da celeridade processual, tão exaltado em nossos tempos, não pode, em hipótese alguma, se sobrepor ao princípio maior da dignidade da pessoa humana. Quando passamos a decidir em massa, por meio de sistemas automatizados, corremos o risco de transformar vidas reais em números de processo; rostos em estatísticas; histórias em linhas de código. E, se assim procedermos, estaremos negando à justiça sua função mais elevada: a de proteger, compreender e restaurar a dignidade ferida.

Os benefícios da inteligência artificial são notórios e não devem ser ignorados: pode-se poupar tempo, evitar repetições desnecessárias, padronizar o que for possível sem ofensa à individualidade. Mas seus perigos também são reais: a opacidade dos algoritmos, os vieses invisíveis, a ausência de explicações compreensíveis ao jurisdicionado, e o risco de que o julgador humano se transforme em mero revisor de pareceres autogerados. Além disso, há um temor sutil, mas legítimo: o de que o próprio exercício do julgamento – ato nobre, delicado e profundamente humano – se torne um gesto mecânico, divorciado da consciência e do compromisso com a justiça.

Concluo, pois, com o desejo de que caminhemos com prudência. Que a MARIA e suas irmãs tecnológicas sirvam à justiça como auxiliares, e nunca como senhoras. Que jamais releguemos ao aço dos algoritmos aquilo que é próprio da alma humana. Pois enquanto houver pessoas buscando amparo nos tribunais, não nos será lícito entregar o destino de suas vidas a máquinas, por mais inteligentes que sejam. A justiça, minha cara leitora, é tarefa de mãos humanas, olhos atentos e corações sensíveis. E, se assim for, que a tecnologia nos acompanhe – mas que jamais nos substitua.

Com afeto sereno e profundo respeito,
uma servidora das letras e da justiça com alma

Stéphanie Marocco.

Reflexões Jurídicas

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