O Silêncio que Ecoa nas Salas do Direito: Reflexões sobre o Assédio Sofrido por Advogadas ao Longo do Tempo

Numa época em que a civilidade e o progresso ocupam as mais altas aspirações da sociedade moderna, seria de se esperar que os espaços destinados à justiça fossem também redutos de equidade, respeito e elevação moral. Contudo, ao lançar um olhar atento sobre a trajetória das senhoras que enveredaram pela nobre e árdua senda da advocacia, constata-se que, entre os pergaminhos, togas e prateleiras de códices, também repousam histórias de silenciamentos, humilhações e injúrias que, de forma velada ou manifesta, ainda assolam a experiência da mulher advogada.

No alvorecer do século passado, quando as primeiras damas ousaram romper o cerco que delimitava o espaço forense ao sexo masculino, a resistência era escancarada. A simples presença feminina em audiências causava desconforto, e o saber jurídico, quando expresso por lábios de mulher, era olhado com ceticismo, senão com deboche. Aquelas valorosas senhoras eram tratadas como intrusas e, muitas vezes, impelidas a justificar sua autoridade e competência com muito mais vigor que seus pares varonis.

À época, o assédio assumia forma ruidosa e grotesca: ironias abertas, exclusão deliberada, tentativa de contenção por meio da moral e da estética. Um decote, uma saia mais ousados ou um olhar firme podiam ser motivos para que se lhes negasse o direito à palavra ou à dignidade. Com o passar dos anos e o avanço das garantias democráticas, poder-se-ia imaginar que tais práticas tivessem sido relegadas ao esquecimento. Todavia, a violência não desapareceu – apenas trocou de vestes.

Nos dias que correm, o assédio tornou-se mais sutil, porém não menos cruel. Ele surge nos corredores e nos autos, nas reuniões de escritório e nas audiências, ora sob a forma de comentários maliciosos sobre a aparência da profissional, ora por meio de gestos de desconfiança quanto à sua capacidade técnica, ora ainda mediante perseguições institucionais travestidas de legalidade. A isso se dá o nome de violência institucional ou, nos termos mais recentes, lawfare de gênero, um fenômeno em que o próprio ordenamento jurídico, ou seus operadores, são empregados como instrumentos de intimidação e opressão.

Diversas pesquisas recentes têm revelado a extensão e a gravidade desse fenômeno. Segundo dados colhidos pela respeitável entidade Carmim Feminismo Jurídico, em consórcio com o Instituto dos Advogados Brasileiros, mais de oitenta por cento das advogadas brasileiras já enfrentaram formas de violência de gênero no exercício de sua nobre função. Trata-se de um número alarmante que nos convida à meditação. A renomada Datafolha, em levantamento realizado com o auxílio do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, constatou que um terço das profissionais sofreu assédio de natureza sexual no ambiente jurídico – um dado que, por si só, deveria acender todas as luzes de alerta.

No panorama internacional, a situação tampouco se revela menos inquietante. Segundo a International Bar Association, que congrega juristas de todas as latitudes, cinquenta por cento das advogadas já experimentaram episódios de intimidação, e um terço delas relatou ter sido vítima de avanços indesejados e inconvenientes. O mais estarrecedor é que, em três quartos dos casos, o episódio sequer foi denunciado, seja por temor de represálias, seja pela descrença na eficácia dos mecanismos institucionais de amparo. E, quando tais denúncias são enfim formalizadas, raramente encontram acolhida: em mais de oitenta por cento das ocorrências reportadas, os agressores não foram punidos.

Diante desse cenário, não nos resta senão indagar: que justiça é essa, que nega proteção às suas próprias guardiãs? Que república é esta, que promete igualdade perante a lei, mas silencia as vozes que clamam por respeito no seio das próprias estruturas jurídicas?

É mister que se empreendam reformas urgentes e profundas, não apenas no plano legal, mas sobretudo no plano moral e institucional. Deve-se, primeiramente, reconhecer o problema e nomeá-lo sem receios. O assédio – seja ele sexual, moral, simbólico ou estrutural – é real, é cotidiano, e é devastador. Em seguida, é imperioso que se instituam canais seguros e acessíveis de denúncia, com acolhimento adequado, sigilo e seriedade nas apurações. Que cada seccional da Ordem dos Advogados seja uma trincheira de defesa e um lar de escuta para suas associadas.

É igualmente necessário que se ofereçam formações éticas com perspectiva de gênero, tanto nos cursos de Direito quanto nas instituições que acolhem os profissionais já formados. A ignorância, quando cultivada pela conveniência, perpetua estruturas de dominação que contrariam os princípios mais basilares da justiça.

Por fim, cabe destacar a importância das redes de apoio mútuo. Quando uma mulher se ergue contra o assédio, todas se elevam com ela. Quando uma é silenciada, todas sentimos o eco do silêncio. A força coletiva pode ressignificar o ambiente forense e devolver às mulheres advogadas a serenidade e o orgulho de exercer seu mister.

Em tempos de suposta modernidade, é preciso lembrar que o progresso não se mede pela quantidade de códigos ou dispositivos legais, mas sim pela forma como tratamos uns aos outros – e, sobretudo, umas às outras. Que o futuro da advocacia seja também o futuro da justiça para quem a pratica com dignidade e coragem. Pois a verdadeira justiça não pode florescer onde ainda impera o medo.

Com distinta consideração e firme esperança,

Stephanie Marocco

Reflexões Jurídicas

Ao leitor atento que ora se detém neste espaço, ofereço um recanto de pensamentos e devaneios sobre o Direito — não como mera letra morta,

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