Olga Petit: A Toga, o Laço e a Luz que Rompeu o Silêncio da Justiça

Ao gentil espírito que se detém nestas linhas, deixo, como quem deixa flores à soleira de uma casa amiga, as impressões e memórias de uma mulher cuja trajetória não apenas marcou seu tempo, mas também o alargou com firme doçura: falo de Olga Petit, essa dama das leis que ousou, com passos finos e ideias largas, desbravar os salões severos da justiça francesa quando ainda era raro, e mesmo escandaloso, que ali entrasse uma mulher.

Num século que balançava entre a razão e o preconceito, entre a eletricidade dos novos tempos e a sombra antiga das convenções sociais, Olga surgiu como uma brisa decidida que se infiltra pelas frestas de um edifício envelhecido. Nascida no alvorecer da modernidade europeia, sua figura não se moldou ao silêncio decorativo que se esperava das mulheres de então. Antes, tomou da palavra, da pena e do Código como quem toma de um leque: com elegância e propósito. Seu nome, como uma nota vibrante num concerto masculino, ecoou pela sala de audiência de Paris, e esse som, ainda que sutil, fez tremer as colunas do costume.

Foi no ano de 1900, quando a França, ainda embriagada pela República e seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, enfim permitiu que as mulheres pisassem o mármore dos tribunais como advogadas, que Olga, já instruída e casada com o respeitado jurista Léon Petit, apresentou-se diante da Ordem dos Advogados de Paris. E eis que, em 6 de dezembro daquele mesmo ano, ela atravessou, com o porte de quem sabe e o olhar de quem não teme, as portas do Tribunal, tornando-se a primeira mulher a sustentar oralmente uma causa perante os magistrados da República.

Que cena terá sido essa, leitor atento? Um salão de pesados móveis e olhares desconfiados, um ambiente onde a gravata era regra e a sensibilidade, suspeita. Ainda assim, Olga não se curvou. Sua voz, firme como um preceito e doce como um verso de Hugo, anunciou: a justiça, para ser verdadeira, precisa acolher todas as vozes — inclusive a voz feminina. Não foi um ato teatral, tampouco um gesto simbólico: foi a encarnação de uma tese profunda, que dizia, sem alarde: “A razão, a eloquência e a justiça não têm sexo.”

Mas não foi apenas no tribunal que Olga Petit fez sua morada. Sua alma intelectual buscava outras arenas, e ela as encontrou nas páginas dos jornais, nos salões de ideias, nas conversas políticas travadas entre cortinas e cafés. Escrevia com a delicadeza de quem borda um lenço e com a contundência de quem empunha uma espada. Defendia, em seus artigos e ensaios, a presença das mulheres não só na advocacia, mas na educação, na política, na vida pública como um todo — pois sabia que não há pátria justa onde metade de seus cidadãos vive calada ou à margem.

Sua atuação jurídica, embora em parte esquecida pelos arquivos da burocracia, sobrevive naquilo que importa: nas causas que escolheu, nas ideias que plantou e na coragem que cultivou. Era devotada às questões familiares, à proteção da infância, às minorias invisibilizadas, àquelas almas humildes que encontravam nela uma defensora mais interessada na equidade do que no aplauso. Enfrentou zombarias e exclusões com o mesmo ar com que talvez servisse chá a uma visita hostil — com compostura, graça e firmeza.

Olga Petit não era apenas uma advogada competente; era uma mulher que, sem abrir mão da feminilidade que o mundo tentava apagar ou ridicularizar, provava, com cada gesto, que o Direito também pode ter mãos suaves e voz de mãe. A toga, para ela, não era uma armadura que escondia a mulher, mas um manto que ampliava sua dignidade. O laço de fita em seus cabelos coexistia com os códigos em suas mãos — e ambos brilhavam.

Sua figura se transformou, com o tempo, num símbolo de possibilidades. Ao ver Olga ali, tantas outras passaram a acreditar que também podiam. Sua presença nas salas da justiça abriu uma vereda de onde brotaram outras pioneiras, como Myrthes de Campos, no Brasil, e tantas mais, aqui e acolá, que hoje compõem um exército silencioso de mulheres que, como Olga, fazem do Direito um ofício de ternura e rigor.

Não deixou ela tratados formais ou teses acadêmicas no sentido estrito, mas suas ideias, como sementes levadas pelo vento, estão espalhadas em periódicos e discursos, onde se pode ler, com olhos atentos: que o Direito é um instrumento de transformação social; que a presença feminina traz um necessário equilíbrio moral aos tribunais; que a toga não deve anular a mulher, mas exaltá-la; e que toda mulher pioneira tem a responsabilidade de manter a porta aberta para as que virão depois.

Olga Petit, nascida Scheina Lea-Balachowsky, chegou a redigir uma tese sobre a ordenação legal em Estados sem separação de poderes, tema que denota seu espírito crítico e olhar atento sobre os fundamentos do poder. Mais do que isso, colaborou com jornais como La Fronde, dirigidos por mulheres e para mulheres — verdadeiros faróis num mar de normas e tradições.

A sua luta, querida leitora, querido leitor, foi feita mais de gestos do que de gritos, mais de presença do que de protesto. E talvez por isso mesmo tenha sido tão eficaz. Olga nos ensina que há revoluções que se fazem com palavras bem ditas, com silêncios bem colocados, com um simples “sim” dito diante da lei quando todos esperavam um “não”.

E assim, ao final de sua jornada, não deixou ela um trono ou uma fortuna, mas algo mais precioso: uma tocha acesa, que continua a passar de mão em mão, de geração em geração, iluminando o caminho de todas aquelas que desejam fazer da advocacia não apenas uma profissão, mas um espaço de resistência, dignidade e amor à justiça.

E assim, entre códigos e coragem, Olga acendeu a lâmpada que até hoje arde na mesa de toda mulher que ousa escrever seu nome nas páginas do Direito.

Com distinta consideração e firme esperança,

Stephanie Marocco

Reflexões Jurídicas

Ao leitor atento que ora se detém neste espaço, ofereço um recanto de pensamentos e devaneios sobre o Direito — não como mera letra morta,

Ler Mais