No alvorecer do século, quando ainda se confundiam os limites entre a liberdade e a conveniência, entre a educação das moças e a submissão do sexo feminino, ergueu-se no coração da Capital Federal uma senhora de espírito altivo, semblante firme e vocação grandiosa: chamava-se Leolinda de Figueiredo Daltro, nascida no ano da graça de 1859, na sempre formosa Bahia.
Não era doutora em leis, tampouco ocupava os bancos da magistratura, mas sua pena era tão cortante quanto a lâmina da justiça. Formada professora — título honroso e raro entre as mulheres de então — Leolinda não se contentava em lecionar as primeiras letras. Queria que todas as meninas, de todas as cores e condições, tivessem direito à escola, à palavra e à vontade própria.
Foi senhora ousada, como poucas. Nos tempos em que se esperava da mulher o silêncio e a resignação, ela fundou, no ano de 1910, o Partido Republicano Feminino, movimento pioneiro que exigia, com compostura e valentia, o direito ao voto feminino e a presença ativa da mulher nos negócios públicos. Tal feito causou furor nas colunas políticas e perplexidade nos salões — e mesmo assim, ela prosseguiu.
Deixou-nos também o testemunho escrito de suas ideias: em 1920, publicou a obra Da catequese dos índios no Brasil, na qual narrou suas expedições ao sertão de Goiás, região longínqua e esquecida pelos poderes da República. Ali, Leolinda ensinava às crianças indígenas não o dogma, mas a linguagem, a ciência e a liberdade de aprender — defendendo uma educação laica e respeitosa às culturas originárias.
Separada do esposo, mãe de cinco filhos e sustentando-se com o próprio labor, foi insultada por jornais, chamada de “endemoniada” por detratores e, ainda assim, marchou pelas ruas do Rio de Janeiro com quase uma centena de mulheres, clamando por cidadania. Seus olhos viram a promulgação do sufrágio feminino em 1932, mas seu corpo cansado partiu em 1935, antes de colher, plenamente, os frutos que semeou.
Senhores leitores, senhoras instruídas, jovens em flor: que não se diga que o Brasil carece de heroínas. Leolinda Daltro, sem diploma jurídico, sem assento no parlamento, foi advogada da liberdade e professora da esperança. Que sua memória inspire, com brandura e firmeza, o florescer de uma pátria mais justa — onde nenhuma mulher precise pedir permissão para existir com dignidade.
“Sou uma pessoa feliz e que já posso morrer, depois de ver vitoriosa a luta pela emancipação política da mulher.”
– Leolinda de Figueiredo Daltro.
Comovida por sua história e tomada de sincero respeito, despeço-me,
vossa dedicada cronista,
Stéphanie Marocco