Ao leitor de espírito atento e coração lúcido,
Nessa manhã, após o massacre perpetrado pelo governo do Castro, o que ouvimos é apenas o silêncio. As avenidas parecem desertas; o medo institucionalizado que se instalou no dia de ontem nos assola mais uma vez, como se já tivéssemos visto este filme antes — e vimos, muitas vezes.
Não percebemos, nessa manhã, buzinas de carros, gritaria de transeuntes, vias cheias e ônibus em superlotação. Vemos medo, angústia e dor.
Sentimentos imputados a todos: aos que moram nos morros e aos que não moram, mas possuem humanidade suficiente para entender que, entre os que se foram, muitos eram vítimas, muitos inocentes — e mesmo os que eram, de fato, de organizações criminosas, ainda assim eram irmãos, filhos, pais, netos, tios, sobrinhos, amigos ou vizinhos de alguém.
Não é só o medo do confronto que permeia nossos pensamentos nessa manhã. Essas situações expõem em todos uma sensação de caos pós-apocalíptico, quando não sabemos o que fazer, aonde ir e a quem recorrer.
Aqueles em quem deveríamos nos apoiar estão acovardados em suas mansões, pensando nas milhares de desculpas que devem ser proferidas para justificar o injustificável.
Não há razões para tamanha barbárie; não há justificativas suficientes ou desculpas que possam consolar os que sofreram no meio do caos. O Estado não pode — e não tem o livre-arbítrio — de invadir morros e favelas com a justificativa de “apreender criminosos”.
O Estado ainda não chegou ao século XIX, muito menos ao ano de 2025. Ainda mantém seus traços julgadores, inquisidores e manipuladores; trata a população como inimiga, seus territórios como pontos de combate e suas armas como instrumentos de guerra prontos para ceifar a vida de muitos.
Hoje ainda estamos contando os corpos, as armas recolhidas, os presos a serem levados a julgamento. Como em um cenário de guerra, só o que vemos é o silêncio.
Silêncio este da percepção do tamanho da calamidade que ocorreu no dia de ontem. Percebemos o retrocesso do Estado, sua falta de controle, sua permissividade com o crime, sua falta de compaixão com sua própria população — e, mais do que isso, vemos o jogo sujo da política. Sentimos o cheiro das campanhas eleitorais no ar; percebemos o herói e o vilão que o Estado nos impõe com medo e terror, como se este último fosse o salvador da pátria.
Mas que pátria o Estado quer salvar, se ele próprio julga e mata os seus?
O Estado não serve a nós, cidadãos — moradores de comunidade ou não. O Estado serve a si mesmo, aos seus próprios interesses, cometendo todo tipo de barbaridade sob a desculpa de políticas públicas.
Em que pese o Estado não ter evoluído sua mentalidade inquisidora, sua população se educa exponencialmente. Hoje sabemos quem é o verdadeiro vilão das políticas públicas; vemos a mão invisível do Estado correndo para cumprir suas metas de governo, suas campanhas políticas e construir suas pracinhas. Hoje, isso não é mais feito às sombras.
Ao Estado, nós também o vemos — e o que vemos não é grandeza, mas medo. Hoje, sua população não é leniente com atos bárbaros. Podemos ainda não ter descoberto nossa força enquanto comunidade, mas a cada incursão, a cada sangue derramado, a cada noite sem resposta, um passo a mais se dá rumo à insurreição.
E tu, leitor, que caminhas entre as ruínas deste país cansado — até quando permanecerás em silêncio?
Por Stéphanie Marocco.





