Do Cuidadoso Zelo com que o Advogado Deve Postular Seus Honorários na Peça Inicial:

Um brado contra o esquecimento de ofício

Nestes tempos apressados — em que a forma, outrora rainha, é tratada como bugiganga sem préstimo, e o conteúdo erguido à condição de ídolo supremo — urge recordar aos nobres colegas de toga e tinta um detalhe singelo, mas de quilate: o pedido de honorários na exordial. Sim, essa pedra miúda que, a olhos descuidados, parece irrelevante, mas que guarda em si a chave da dignidade do nosso mister.

Não são poucos — ouso dizer, são a multidão — os que, ao abrir os trabalhos, limitam-se a lançar, quase como quem pede desculpas, aqueles protocolados 10%. Fazem-no, confiantes na miragem de que o magistrado, tocado por sua verve ou comovido pela causa, há de majorar espontaneamente, como se as cortes fossem oráculos de generosidade. Ah, doce ilusão! Esperam os tão suspirados 15%, quiçá 20%… mas é um sonho que pode custar caro, muito caro.

Pois confiar na benevolência cega dos tribunais é como caminhar num salão de espelhos: cedo ou tarde, a imagem se quebra. A prática, ainda que nascida de modéstia ou astúcia, leva o advogado a tropeçar num degrau invisível, ferindo o sagrado princípio da congruência e caindo, sem perceber, na armadilha da decisão extra petita — quando o juiz, bem-intencionado, concede além do pedido e, justamente por isso, incorre em vício.

Eis que o Código de Processo Civil ergue sua voz grave: o artigo 141, guardião severo, sentencia que o juiz decide dentro dos limites postos; e o artigo 492, com corte de navalha, proíbe que vá além. Não há como dourar a pílula: letra da lei é lâmina, e corta sem piedade.

A jurisprudência, altiva, já deu seu veredicto. No REsp 978.510/SP, relatado pelo Ministro Luiz Fux — nome que ecoa entre os corredores do STJ —, firmou-se que majorar honorários sem pedido expresso é afronta ao devido processo legal. Palavras dele: “equivale a alterar ex officio a causa petendi”. Eis o perigo de um descuido que muitos chamam de detalhe.

Que se espera, pois, do advogado? Não a humildade subserviente, mas a firmeza elegante: que postule desde logo os 20% que a lei lhe franqueia. Gesto de coragem, não de avidez. A toga pede dignidade, não timidez. Se o magistrado julgar excessivo, poderá reduzir — jamais aumentar o que não foi requerido. Assim, ao pedir o teto, o advogado não afronta, apenas resguarda; não desafia, apenas protege o ofício que lhe dá identidade.

Advogar é também conhecer as etiquetas do salão jurídico, e desprezá-las é arriscar-se ao vexame. Quem pede seus honorários com clareza não exibe ganância: mostra respeito por si, por sua pena e pela arte que professa. Pois, convenhamos, quem se entrega ao Direito com paixão não deve depender da fortuna caprichosa dos tribunais, mas da solidez de sua própria previsão.

Assim vos digo, colegas: ao redigir a inicial, não esqueçam este gesto singelo e altivo. Pois no ofício, como na vida, descuidar da forma é ferir o próprio conteúdo. Que vossos pedidos ecoem com bravura e vos garantam não apenas justiça, mas a justa paga de vossa coragem.

Com ânimo e firmeza,
Stéphanie Marocco
Cronista de toga, tinta e elegância esquecida

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